Links

13.4.14

De Bicicleta pelo Barlavento Algarvio

Uma viagem de bicicleta pode começar de várias maneiras. Esta nasceu pela necessidade de ir até Lagos. Podia ter optado pelo carro. Huuummm!!! Conforto, ar condicionado e no pior dos casos uma horinha de caminho. Tentador, não é? Mas, eu queria sentir o vento na cara, o calor do Sol, olhar 360º à minha volta sem vidros ou tejadilhos,
sem ter que estar preocupado com limites de velocidade, etc. Por isso, a opção mais sensata foi agarrar na minha bicicleta.
Mas, de seguida voltei a ter mais um dilema. Vou por onde? Raios!!! E agora?? Bem… pela velha e aborrecida 125 são duas horinhas e mais uns pozinhos. O quê????? Durante mais de duas horas ouvir /sentir carros e camiões a passarem em velocidades dignas da Via do Infante. Nãããããooooo quero!!!! Da última vez que o fiz fiquei com a cabeça toda “gazeada”! Ainda hoje tenho náuseas de tanto dióxido de carbono inalado. Então, o que faço?
De repente começou a germinar uma ideiazinha na minha cabeça. Que tal um percurso que passasse por zonas especiais do Interior algarvio? Como por exemplo: barragens, ribeiras e serras. Pareceu-me uma boa ideia. Mas como ir? É aí que entra um site muito interessante: www.gpsies.com. Trata-se de uma ferramenta muito boa para marcar percursos que eu utilizo para btt. Mas, agora serviu para descobrir novas estradas. Bom… estradas não! Melhor será dizer estradinhas. Que eu não conhecia de lado algum. Isto é como atirar no escuro. Só no local é que ficamos a saber se a escolha é boa ou não. Gosto desta sensação de descoberta. Pisar terreno que eu desconhecia.

Assim lá tracei um percurso/track no tal site e transferi para o meu gps. Enchi dois bidons com líquido especial – água, mais umas barritas, uns tostões na carteira e o telemóvel. Depois, tentei dormir… estava mesmo com os nervos todos emaranhados. Não fez mal. Mais cedo levantei-me e preparei a saída. E é tão bom sair bem cedo, sentir o ar fresco da manhã na pele, o cantar dos passarinhos e aquela luz meio amarelada. Muito bom.
Os primeiros quilómetros foram assim um pouco mais para o chato, pois conheço estas estradas tão bem como as linhas da minha mão. Mas, cedo a magia começou a funcionar. Ali para os lados da Ribeira de Alte (entre Paderne e Messines) o gps
informa para sair da EN 270, levando-me para uma estradinha a caminho … de algures no meio de imensos laranjais. O cheiro bem doce da flor de laranjeira e aquela sensação de descoberta… Huuuummm, tão bom estar vivo e sentir estas sensações.
A passagem por São Bartolomeu de Messines foi pela EN 124 que funciona como um balcão de 1ª classe com vista panorâmica sobre vila. Lindo! Pouco mais à frente saí em direção a Barradas, Pedreiras e … já não me lembro. Aqui quem mandou foi mesmo o gps e o tal track. Foram montes de quilómetros de deslumbramento. Senti-me tão bem até parecia que estava noutro país. As bonitas paisagens, sem sinais de turismo e tudo tão verde. Agora sim estava em modo de viagem. Que delícia.

A partir de Vale de Fuzeiros a paisagem altera-se. As searas verdes transformam-se em campos de estevas cheias de flor, que emanavam um aroma doce a mentolado. Atrás das folhas comecei a vislumbrar uma mancha de azul-turquesa. Que espetáculo poder pedalar calmamente por estradas assim, praticamente sem trânsito, serpenteando ao lado da albufeira da barragem de Silves. Ao chegar à barragem fiz uma curta pausa para alimentar a barriga, bem como os olhos e alma.
Depois de todo aquele sossego paisagístico entrei em Silves (mal) acompanhado por montes de automóveis. Irra! Esta foi violenta. Estava tão bem sonhando e de repente acordaram-me! Assim não! Tinha previsto parar e comer mais alguma coisa, mas fugi logo que pude.
Depois de Silves segui outra vez pela EN 124. O piso está uma porcaria, até com a minha bicicleta de CX o conforto era zero. Muitos caminhos de terra são bem mais simpáticos. Mas esta estrada tem um ponto encantador. Ali para os lados das Casas de Odelouca encontra-se lado a lado com a ribeira Odelouca. Aliás, mais parece um rio de tão larga que é. O vasto espelho de água e os montes com diferentes tons de verde criam um ambiente fabuloso. 
Quando cheguei ao Porto de Lagos já tinha dado conta que as colinas tinham aumentado de tamanho. Mas, quando virei para EN 266 é fiquei com “ela” de frente. É pá!! Vista cá debaixo mete respeito. Tudo passa pela cabeça, desde do “vou mas é para o outro lado” ao “será que as perninhas aguentam”. Bem sei que existem serras bem mais altas. Mas no Algarve é esta que manda, com a bela Fóia a chegar perto dos 1000m. Que bem visto até não são muitos metros. Pois não?!? Só que, ali onde eu ainda pedalava, na zona do Rasmalho, o gps marcava 19m de altitude! Sim!!! É isso mesmo. Só 19 metros! E a Fóia tem 902m. Estão a ver, não estão??? Ai! Onde eu fui meter-me…
Felizmente a cerca de 300m está um paraíso que merece uma paragem, as Caldas de Monchique. Há quem diga que é a Sintra do sul. Bom, se não tivermos em conta o tamanho, bem mais pequena, até podemos dizê-lo. A verdade é que esta zona termal é linda. Claro, tive que parar e saborear uma bela sandocha e uma fresquinha bem “energética”. Com as energias e a motivação de novo em alta (talvez pela magia do local) parti decidido a cumprir o meu objetivo inicial.
A subida é longa e demorada. E dentro da vila de Monchique empina para uns 11/12% (aliás no Strava chega a marcar uns respeitáveis 25%!!!). O problema é que eu já tinha mais de 70km feitos… Só que nestas subidas há que ter paciência e respeitar o nosso corpo, bem como a montanha. Assim, lá fui calmamente subida a cima, umas vezes apreciando a vasta paisagem, outras vezes cumprimentando montes de ciclistas em sentido contrário. Aos poucos fui dando conta que a vegetação passou da floresta para arbustos, com grandes rochas de granito a espreitarem. De facto, não parece nada o “meu” Algarve. A cerca de uns 700m de altitude surgiu um miradouro. Lembrava-me que em tempos havia ali uma fonte com água bem fresca. Decidi espreitar (a verdade é que os meus bidons já estavam vazios). E ali estava ela, bem fresca. Que bom. 
Chegado ao alto da Fóia tirei umas fotos como manda a praxe e bora lá que se faz tarde. Depois de tantos quilómetros a subir “soube que nem ginjas” esta parte a descer. Saboreando a velocidade e o vento fresco rapidamente voltei a passar pela fonte. Um pouco mais à frente o gps ordena-me a virar à direita. Quando olhei para onde o gps me orientava até fiquei “branco”. Pois vinha numa bela estrada, de bom piso, com curvas fáceis de fazer sem travar, nem perder velocidade. E o que eu tinha à minha frente era quase um single track de asfalto de segunda. Para não falar nas inclinações que eram interrompidas por curvas de 180º… Acho que gastei os calços quase todos até chegar a Marmelete.
Um pouco antes de Marmelete voltei a entrar numa estrada nacional (EN 267) com muito bom piso e o melhor que tudo, é que foi praticamente sempre a descer. Como as minhas pernas agradeceram. Foi como um descanso dinâmico. Melhor ainda foi começar a ver as águas da barragem da Bravura. Que bom, a cidade de Lagos já está perto, pensava eu. A motivação cresceu e as pernas voltaram a bombar. Esta é uma zona muito bonita, que eu conheço muito bem. Por isso, foi carregar no pedal. Passar por Odiáxere. Logo a seguir pelo Chinicato. Quando comecei a ver a cidade de Lagos o coração aumentou de ritmo estampando um sorriso meio aparvalhado na minha face. Meio drogado pela felicidade de ter feito tamanha viagem, que até parecia que tudo tinha sido um sonho. Mas, a verdade é que estava em Lagos.
Para regressar a casa optei pelo velho e simpático comboio. Com saída marcada às 18h15m, ainda deu para passear pela cidade, comer e beber. Quando volto para apanhar o comboio dou de frente com algo que me deixa sempre triste. Ali está a velha estação de comboios, abandonada e trucidada. Até as linhas arrancaram do chão. Um edifício que marcou montes de gerações. Quem é que não saiu ali com a mochila às costas? Pois é!!!! E agora está ali posto de lado. E a nova estação? Bem, não me apetece fazer análises arquitetónicas e/ou de estética. 
A verdade é que está na hora! Tenho um comboio para apanhar. 

Sem comentários: